terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Agentes em formação: quando a universidade se compromete com o cenário cultural


(Alexandre Santos A. de Souza)¹

Ter participado da primeira aula do Curso de Especialização em Gestão e Produção Cultural, ministrado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), nos dias 22 e 23 de fevereiro, motivou-me a escrever este texto, que reflete sobre a importância da formação dos agentes culturais no momento histórico em que o setor cultural se insere hoje em todo o estado e no país. O curso e a turma, pioneiros na Paraíba, acontecem justamente num contexto de avanço do processo de institucionalização da Cultura, a partir da implementação do Plano Estadual de Cultura, e da adesão de oitenta e três cidades ao Sistema Nacional de Cultura, um terço do total de municípios, realidade que coloca a Paraíba em terceiro lugar no Nordeste, entre os estados mais avançados no processo de implementação do SNC.

Este é um momento de evolução e amadurecimento do setor artístico-cultural. O crescimento das atividades criativas no país e da importância da Cultura no desenvolvimento do Brasil, bem como o aumento de equipamentos culturais públicos e privados, e os novos desafios que o setor cultural lança aos envolvidos na área, nos levam à necessidade de um processo de formação continuada e consistente de gestores e produtores culturais cada vez mais qualificados e capacitados a formularem respostas a esses desafios. Nessa perspectiva, as universidades têm um papel de grande importância, ao assumir a responsabilidade de formar profissionais/pensadores que tenham em seu arcabouço teórico-reflexivo uma amplitude de conhecimentos que lhes dê capacidade de lançar olhares profundos sobre as questões culturais.

Até pouco tempo atrás, reverberava ainda no Brasil as consequências do período em que o Estado brasileiro renegou a real importância da Cultura e se ausentou do seu papel de formulador de políticas públicas. Collor/Rouanet e FHC/Weffort foram responsáveis por um verdadeiro desmantelamento do setor cultural, o primeiro por fechar o Ministério da Cultura e rebaixá-lo à condição de mera secretaria da presidência da República, e o segundo, por anular o papel do Estado na formulação de políticas culturais, entregando completamente o setor nas mãos do mercado e concentrando a produção no eixo Rio-São Paulo, através da Lei Rouanet, política que FHC manteve e elegeu como principal em sua gestão, que teve como norte a cartilha "Cultura é um bom negócio".

Essa triste herança, como a define o professor Albino Rubim, fez com que o Brasil caminhasse na contramão do contexto latino-americano. Quando os países latinos falavam em "gestor cultural", o Brasil não ultrapassava a figura do "produtor cultural", limitando por muito tempo o papel da Cultura e da política pública a mera realização de eventos pontuais e de ínfima contrapartida social.

No entanto, com as mudanças radicai iniciadas por Gilberto Gil e continuadas por Juca Ferreira, e hoje aprofundadas por Marta Suplicy, desenha-se uma nova narrativa no campo das políticas culturais. Dentre as metas do Sistema Nacional de Cultura, apresenta-se a formação dos agentes culturais como fundamental para solidificar um cenário sustentável. A meta surgiu como demanda formulada e aprovada na II Conferência Nacional de Cultura, realizada em Brasília, entre 11 e 14 de março de 2010, com a seguinte redação:

“Proposta Prioritária 279 - Criar um sistema nacional de formação na área da cultura, integrado ao SNC, articulando parcerias públicas e privadas, a fim de promover a atualização, capacitação e aprimoramento de agentes e grupos culturais, gestores e servidores públicos, produtores, conselheiros, professores, pesquisadores, técnicos e artistas, para atender todo o processo de criação, fruição, qualificação dos bens, elaboração e acompanhamento de projeto, captação de recursos e prestação de contas, garantindo a formação cultural nos níveis básico, técnico, médio e superior, à distância e presencial, fazendo uso de ferramentas tecnológicas e métodos experimentais e produção cultural.” (Conferência Nacional de Cultura, 2010)

Instituições como a Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ), Fundação Joaquim Nabuco (PE), dentre outras, têm desempenhado um importante papel no fomento à pesquisa no campo da Cultura, mantendo cursos especialização, mestrado e doutorado, grupos de pesquisa e extensão em gestão e produção cultural, entre outras ações articuladas, que hoje as colocam como referências no pensamento político da Cultura no país.

Ao criar o Curso de Especialização em Gestão e Produção Cultural, ligado ao Departamento de Arte e Mídia, a UFCG dá largos passos na direção deste cenário almejado. Primeiro, contribui para que a Paraíba entre cada vez mais em consonância com o SNC e fortalece o próprio Plano Estadual de Cultura que está sendo elaborado e prevê a formação dos agentes culturais como uma importante estratégia rumo a profissionalização do setor. Segundo, estimula a pesquisa no campo das políticas culturais, influenciando para que estes agentes em formação se debrucem sobre a realidade de suas cidades ou segmentos de atuação, e promovam significativas pesquisas para a reflexão em torno do cenário artístico paraibano e das cadeias produtivas. Terceiro, inicia uma nova safra de gestores e produtores, qualificando suas práticas, ações e projetos, e mesmo a própria intervenção diante das políticas públicas para a cultura.

Ao gestor cultural contemporâneo, o desafio é grande. Exige-se dele um olhar profundo e sistêmico sobre as dinâmicas culturais de seu território, sobre os problemas teóricos da cultura, o conhecimento da diversidade e das variadas expressões, do percurso histórico da arte até as expressões contemporâneas, o entendimento sobre a economia brasileira e o comportamento do setor cultural dentro desta economia, estar próprio das leis incentivo e da redação do projeto cultural. Este conhecimento amplo, necessário tanto ao gestor quanto ao produtor cultural, lhes dá condições de estar em consonância com as políticas que hoje vêm sendo elaboradas e planejadas, orientando uma prática qualificada e embasada. Contudo, se faz essencial também a participação deste gestor na vida cultural da sua cidade, reconhecendo os agentes, os territórios criativos, de sociabilização e fruição artística, ou seja, vivendo o próprio cenário. A práxis, que aliada à teoria, lhe confere um olhar atento, sensível e, ao mesmo tempo, crítico.

Como dito anteriormente, a Paraíba é o terceiro estado do Nordeste mais avançado na implementação do SNC, contando com a adesão de oitenta e três cidades, estando atrás apenas de Ceará e Maranhão. Ao mesmo tempo, junto ao SNC, a criação das secretarias municipais de cultura e órgãos vinculados gerará uma grande demanda por profissionais que qualifiquem as discussões culturais. Gestores que pensem de maneira sistêmica as políticas que fortalecerão o cenário cultural de todo o estado e projetarão a Paraíba a partir da sua diversidade de expressões e efervescência de produção estética, demonstrando o potencial da criatividade dos artistas paraibanos em fazer o estado avançar.

A UFCG, portanto, é pioneira, ao assumir o papel de formar estes novos gestores, pensadores da cultura, da política cultural e dos novos desafios que estão lançados para o desenvolvimento do estado através da Cultura e todo seu potencial de vetor de desenvolvimento humano, social e econômico. Dito isto, resta apenas desejar boa sorte aos novos agentes culturais em formação e vida longa ao curso!



¹Produtor cultural, pesquisador das áreas de políticas culturais e políticas de comunicação, e assessor de imprensa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário